Por Simone Lima...
Basicamente, Supremo revalidou a portaria que proíbe tratamento com medicamentos humanos com base quase que única em um artigo português sobre resistência aos antibióticos causada pelo uso em cães ( não li pra avaliar) e o bom e velho antropocentrismo, que coloca a vida humana acima de qualquer coisa.
"Restringe"a matança, eufemisticamente chamada de eutanásia a casos com dois testes (EIE e RIFI). Fabuloso, né? Usar o EIE e RIFI juntos resulta em especificidade de 75% , ou seja, em 25% dos casos a combinação estará dando positivo por conta de outras questões.
Ah, fala tbém que tem que ter análise criteriosa do médico veterinário. Aquele, do CCZ, que não entende chongas de Leish.
tragédia.
Amigos da área jurídica, caminhos?
http://web.trf3.jus.br/ diario/Consulta/ VisualizarDocumentosProcesso? numerosProcesso= 201303000176258&data=2013-09- 10
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 167/2013 - São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 2013
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 4ª Turma
Expediente Processual 24491/2013
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0017625-71.2013.4.03.0000/MS
2013.03.00.017625-8/MS |
RELATOR | : | Juiz Convocado LEONEL FERREIRA |
AGRAVANTE | : | Uniao Federal |
ADVOGADO | : | TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro |
AGRAVADO | : | SOCIEDADE DE PROTECAO E BEM ESTAR ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS |
ADVOGADO | : | WAGNER LEAO DO CARMO e outro |
ORIGEM | : | JUIZO FEDERAL DA 4 VARA DE CAMPO GRANDE > 1ªSSJ > MS |
No. ORIG. | : | 00035012820134036000 4 Vr CAMPO GRANDE/MS |
DECISÃO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL, em face de decisão juntada por cópia às fls. 242/257, que deferiu o pedido de tutela antecipada nos autos originários, a fim de desobrigar a parte autora, ora agravada, a cumprir os preceitos da Portaria Ministerial nº 1.426, de 11 de julho de 2008, expedida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária, e Abastecimento e Ministério da Saúde e Resoluções dos Conselhos Federal e Estadual de Veterinária, que proíbe a utilização de medicamento humano no tratamento de leishmaniose.
Sustenta a agravante, em síntese, a nulidade da decisão agravada, visto que suspendeu a eficácia de ato praticado por quem não é parte do processo. Alega também que referida decisão é suscetível de causar lesão grave à saúde pública de forma irreparável, vez que tem sido verificado um aumento da resistência primária do parasita leishmania às poucas drogas disponíveis para tratamento humano da leishmaniose visceral (LV). Aduz ainda que o tratamento canino da leishmaniose visceral propicia a disseminação parasitária no ambiente social urbano, tendo sido verificado uma baixíssima eficácia desse tratamento no controle da doença. Afirma que vem ocorrendo uma grande expansão e urbanização da doença no Estado do Mato Grosso do Sul, o que certamente irá se agravar com a o aumento da resistência do parasita. Defende também a legalidade da Portaria Federal que o proíbe a utilização de medicamento humano no tratamento de leishmaniose para cães, visto que tal norma encontra-se amparada pelo artigo 200, incisos I e II, da Constituição Federal, bem como pela legislação sanitária federal. Por tudo isso, requer a concessão de efeito suspensivo, e, ao final, o provimento do presente agravo, para que seja revogada a liminar concedida nos autos originários.
A União instruiu seu recurso com os documentos de fls. 183/380.
Por sua vez, a parte agravada apresentou contraminuta às fls. 385/447.
A União trouxe estudos científicos às fls. 448/514.
A parte agravada apresentou novos documentos às fls. 515/845.
É o relatório.
Decido.
No caso dos autos, vislumbro situação emergencial, que diz respeito à saúde pública em toda sua gravidade. Não obstante a existência de vários artigos científicos juntados aos autos, tem máxima relevância material científico recente (de 06/06/2013), oriundo da Unidade de Parasitologia da Universidade de Lisboa, apontando a existência de crescente resistência ao medicamento utilizado para combater a leishmaniose humana e que vem sendo utilizado para tratar a mesma doença em cães ("In vitro drug suceptibility of Lishmania infantum isolated from humans" . SCiverse ScienceDirect. Carla. Maia. Mònica Nunes. Mónica Marques. Sofia Henriques, Nuno Rolão e Lenea Campino. Lisboa: 2013, Elsevier. IN "Experimental Parasitology 135 (2013), 36-41, p. 40 ), sendo que, também, a não eliminação dos cães infectados os coloca como um agente ativo na cadeia de transmissão da doença para os humanos (ele é reservatório do protozoário).
A perspectiva de legitimar, ainda que limitadamente, em casos específicos (é bom frisar esta especificidade) a eutanásia canina desagrada a qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade. Entretanto, a situação é grave: em Campo Grande/MS temos foco da doença e não podemos deixar que, ainda que em tese, se vislumbre a possibilidade de morte de seres humanos por ineficiência medicamentosa em razão do uso do remédio em cães. A mortalidade da doença, nesta cidade, alcança assustadores 8% da população humana infectada e, repita-se, diante do estudo atualizado e que subsidia a corporificação de uma situação de risco para a saúde destas pessoas doentes, impõe-se uma medida judicial que coacte o perigo evidente.
Neste contexto axiológico, perde força valorativa a defesa do meio-ambiente enquanto proteção ao direito dos animais que, no caso, terão de ser sacrificados (com criteriosa e antecedente apuração rigorosa da saúde dos animais pelo Poder Público) caso contraiam a doença leishmaniose. É com pesar que esta solução se nos apresenta como a única capaz de fazer frente a uma situação como a dos autos. Trata-se de circunstancia que não apresenta boa solução: existe apenas a menos pior, que é a de se evitar por em risco a vida de seres humanos.
Mesmo que em tese, fosse mínima a possibilidade de resultante ineficácia do medicamento no caso da permissão de sua aplicação aos cães (o que não é, alias, o caso, pois a possibilidade é cientificamente atestada), ainda assim a vida humana, em sua condição de maior grau axiológico objetivamente considerável, obrigaria a que nos curvássemos às circunstâncias e cedêssemos à prática da eutanásia dos animais como única saída para manutenção do valor maior, para o qual o mínimo arranhão potencial já se mostra como justificativa para a desvalorização de outros bens jurídicos, ainda que muito relevantes, mesmo para a ótica constitucional.
Neste contexto, entendemos que a portaria do Conselho dos Médicos Veterinários de nº 1426/2008, ao menos neste momento processual, extremamente delicado, deve ser encarada (com as limitações que ora serão colocadas com o uso do poder geral de cautela) como um instrumento para a salvaguarda da saúde pública (valor de índole constitucional), não havendo que se questionar sua eventual intromissão na atividade do Médico-veterinário, quando praticados atos administrativos realizados sob o seu manto, pois tais atos são imantados pela necessidade constitucional imperiosa de se garantir a integridade física dos cidadãos de nosso país. Grosso modo, poderíamos comparar com a vedação que existe para a administração de certos medicamentos pelos médicos (como, v.g. a morfina, apenas administrável em ambientes hospitalares), que se justificam por que a liberdade profissional encontra limites nos valores maiores que o plexo constitucional prima em manter.
Aproveitando-me do conhecimento adquirido ao se examinar ementa de aresto do C. STJ, e que trata do assunto (segue abaixo, transcrita), é razoável, dentro do poder geral de cautela do juiz, exigir-se, como condição para que se pratique a eutanásia canina, a realização de dois testes comprobatórios da existência da doença - os referidos I.F.I. e E.I.E - com o que se frisa que a medida deve ser aplicada de forma específica, equilibrada, sábia.
Ementa de aresto do C. STJ:
STJ. AGRSLS 200701909469 AGRSLS - AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA - 738 Relator(a) BARROS MONTEIRO . CORTE ESPECIAL Fonte DJE DATA:10/03/2008 ..DTPB:
Decisão
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Sr. Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima e Massami Uyeda. Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.
Ementa
..EMEN: AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE. LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA. CONTROLE DA DOENÇA. DIAGNÓSTICO POSITIVO. COMPROVAÇÃO. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE DOIS EXAMES (I.F.I. e E.I.E.). POSSIBILIDADE. INTERESSE DA UNIÃO. INGRESSO NA CAUSA COMO ASSISTENTE LITISCONSORCIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. - Existente, in casu, nítido interesse da União no deslinde da controvérsia, admite-se a sua intervenção na qualidade de assistente litisconsorcial do Município. - Quanto à sua intervenção na causa principal, trata-se de tema que refoge ao âmbito restrito desta medida, devendo, pois, ser requerido e discutido nas vias próprias. - Não se está impedindo a municipalidade de continuar a prática de eutanásia dos animais diagnosticados com leishmaniose visceral canina, mas, tão-somente, exigindo que o diagnóstico positivo seja comprovado pela execução simultânea de dois exames, a saber, o I.F.I. e o E.I.E., procedimento já adotado pelo Município, conforme ele próprio informou. Não há, nesse ponto, evidências de que o decisório possa causar risco à saúde da população. - Mantém-se a decisão agravada, cujos fundamentos deixaram de ser impugnados pela agravante (Súmula n. 182/STJ). Agravo improvido.
As alegações trazidas pelos agravados, destarte, não infirmam o raciocínio acima construído. O fato da população canina de Campo Grande vir diminuindo a cada ano e, ao mesmo tempo, existir um aumento de incidência de 20% da leishmaniose humana na cidade representa uma correlação que, do ponto de vista da lógica, não tem a característica da necessidade. Ou seja, não se pode dizer que necessariamente estes dados demonstrem o insucesso da estratégia de eutanásia canina, pois inúmeras variáveis podem intervir neste processo. Por exemplo, a temperatura pode ter aumentado, facilitando a proliferação do mosquito transmissor, possível piora de condições de saneamento, etc.
É certo que o mesmo se pode dizer da taxa extremamente preocupante de letalidade humana da leishmaniose na cidade de Campo Grande - 8%. Também se pode dizer que não necessariamente esta taxa está a crescer em razão da transmissão via canina. Mas, entre os dois raciocínios que não apresentam a característica lógica da necessidade, em um momento emergencial, com qual ficar? A resposta é que se deve apostar na defesa da vida humana, mesmo sem a certeza absoluta de que a eutanásia canina, tal qual vem sendo praticada, venha solucionando o problema. Corrobora este fato o de que a resistência ao antibiótico utilizado (que é o mesmo para cães e humanos) é fato incontroverso, até por que postulado científico.
É preocupante, por outro lado, que se entenda a liberação da utilização da mencionada Portaria como um salvo-conduto para a eliminação não criteriosa de cães. A eutanásia há de ser precedida da realização dos dois testes disponíveis e do exame criterioso do veterinário do órgão público acerca da possibilidade do animal funcionar como vetor de transmissão.
Outros argumentos da contraminuta ofertada que não podem, no momento, servir de esteio para o indeferimento do pedido do agravante, são os de que a política pública correta deve de ser a de erradicação do vetor de transmissão da doença (o mosquito) e de que estão pendentes suspensão de segurança e embargos infringentes que obstaculizariam a análise que ora se poderia fazer.
Primeiramente, não se pode, ainda mais tratando de situação de urgência, se questionar das políticas públicas de controle da leishmaniose em sua profundidade. É razoável supor que o Poder Público deve/deveria envidar mais esforços no sentido de prevenir a propagação do vetor de transmissão - a dizer, o mosquito transmissor - mas tal raciocínio esbarra no questionamento dos limites de intromissão do Judiciário nas decisões administrativas profundas (de largo espectro, de longo prazo, etc) do Poder Público, discussão que certamente não tem seu melhor lugar nestes autos, dada a situação narrada.
A suspensão de segurança mencionada foi negada pela Presidência desta E. Corte. Já os embargos infringentes se referem à pretensão de prevalência de voto vencido proferido em ação cautelar que antecedeu a presente ação principal. Ou seja, afinal, os infringentes se referem a processo instrumental, acessório, cuja decisão em nada afasta a possibilidade de outorga de outro provimento decisório neste processo - lembre-se - principal. Tanto é assim que a jurisprudência desta C. Corte tem dado pela perda de objeto dos embargos infringentes de processo cautelar quando já está em discussão o processo principal.(MC nº 1999.03.00.005960-7, Des. Fed. Rel. CONSUELO YOSHIDA, v.u., DJU 10.12.04, p. 142; e MC 98.03.079378-0/SP, Rel. Des. Fed. CECILIA MARCONDES, j. 01.08.2007, DJU 15.08.2007, p. 172.)
As razões apresentadas na contraminuta, portanto, não afastaram a conclusão da gravidade e urgência da situação, que impelem à tomada imediata de uma decisão.
Por estes motivos, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de suspensão da decisão ora recorrida, permitindo a utilização da Portaria 1426/2008, desde que a eventual eutanásia canina a ser praticada seja precedida da realização dos dois testes acima mencionados e também antecedida de criteriosa avaliação do Médico-Veterinário pertencente aos quadros públicos.
Dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal.
Publique-se. Intime-se.
São Paulo, 06 de setembro de 2013.
LEONEL FERREIRA
Juiz Federal Convocado
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