Estará a Leishmaniose mesmo a ameaçar de morte o Estado Islâmico?
A notícia - festejada por muitos - surgiu nos media britânicos no início de abril e espalhou-se através dos tablóides do Reino Unido e das redes sociais, dando origem a novos artigos em vários países: o grupo Estado Islâmico estaria a braços com um surto de Leishmaniose, uma doença causada por parasitas que poderia, se não tratada, ser fatal.
Em Raqqa, a capital designada do grupo, na Síria, a doença estaria a afetar milhares de militantes (entre 2.500 segundo o Express e 100.000, segundo o Mirror, que por sua vez citava o Sun) e a ameaçar a própria sobrevivência do grupo.
O principal problema seriam as condições sanitárias em Raqqa, a par do calor, que potenciariam a proliferação de moscas da areia, portadoras do parasita. Este causa lacerações na pele que, não sendo tratadas, se podem transformar em chagas semelhantes a lepra.
A recusa de cuidados médicos não aprovados pela sharia estaria a agravar a situação dos militantes islâmicos. E estes teriam mesmo expulsado os Médicos Sem Fronteiras que se dispunham a ajudá-los.
Uma autêntica praga bíblica.
Disparidade de números
A notícia do Express não referia fontes exceto um grupo internauta até agora desconhecido e a do Mirror citava apenas o Sun. Isso não impediu vários jornais de espalhar a informação, referindo uma das duas publicações como única fonte. Apesar da discrepância dos números referidos quanto aos militantes afetados.
Uma vez que o número total de militantes do grupo Estado Islâmico, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma das melhores fontes do que sucede na Síria, ronda os 50.000 combatentes, falar em 100.000 membros do EI afetados por Leishmaniose, sobretudo em Raqqa (onde, dizia por seu lado o Express, estarão 5.000 militantes), parece algo exagerado.
É certo que há fontes que estimam em 200.000 os membros do Estado Islâmico, na Síria e no Iraque. São números referidos em novembro de 2014 por Fuad Hussein, chefe de gabinete do Presidente curdo, Massoud Barzani, ao jornal The Independent.
Hussein incluía neste número pessoal de apoio, forças policiais, milícias locais, guardas fronteiriços, pessoal paramilitar associado aos diversos grupos de seguranças e recrutas. Espalhados por várias áreas dominadas pelo Estado Islâmico, tanto na Síria como no Iraque. E o surto de Leishmaniose é referido explicitamente na Síria e em Raqqa.
Se em relação aos números dos militantes afetados pela Leishmaniose existe tanta disparidade, que verdade haverá então na notícia?
O "Mal de Aleppo"
De facto, a primeira vez que o perigo de um surto de Leishmaniose na Síria devido à guerra é referido como tal, data de janeiro de 2015. No dia 18 desse mês, o The Independent afirma que Washington alerta para o perigo do conflito e da quebra da rede de cuidados de saúde estatais terem deixado "áreas da Síria e do Iraque ocupados pelo ISIS (a sigla inglesa para o grupo Estado Islâmico) vulneráveis a surtos de doenças infeciosas".
O jornal cita como sua fonte o dr. Peter Hotz, um especialista em saúde mundial. Hotz refere que a Leishmaniose cutânea, uma "doença que desfigura, espalhada por moscas da areia" mas que "não é mortal", está já "fora de controlo na Síria" onde teriam sido identificados "pelo menos 100.000 casos".
"Estamos a ver mais de 100.000 casos da forma cutânea de Leishmaniose, que é conhecida na região como o 'Mal de Aleppo'. Isto está a suceder devido à proliferação de moscas da areia. O país sempre teve problemas com a doença e agora está fora de controlo. Não sabemos sequer a extensão real, porque a Organização Mundial de Saúde não pode ir em segurança para aquela área".
Em 2013 foi noticiado amplamente um surto de Leishmaniose em Aleppo. Também recentemente no Iraque surgiram surtos da doença, mas as autoridades afirmaram-se capazes de lidar com o problema, enviando medicamentos mesmo para zonas de conflito.
"Partes da Síria estão vulneráveis porque a recolha de lixo parou, o que permitiu às moscas da areia que transmitem a Leishmaniose proliferarem", referiu o dr. Hotz ao The Independent.
Alerta de eclosão
"As redes de saúde pública pararam. Há quebras no fornecimento de água e na rede sanitária, quebras no acesso a cuidados médicos e no acesso a medicamentos. Tudo isto acontece ao mesmo tempo e é uma tempestade perfeita de acontecimentos."O perigo referido não se restringe à Leishmaniose. Um surto de MERS, o Síndrome Respiratório do Médio Oriente, causado por vírus semelhante à SARS, assim como um surto de Ébola, são admitidos na região.
"Sabemos que, se existe uma parte do mundo com esta mistura tóxica de pobreza e de conflito, vamos assistir a epidemias de doenças tropicais negligenciadas", diz o especialista, prevendo, em janeiro, que a próxima grande eclosão iria surgir nas áreas ocupadas pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque. O que não foi até agora confirmado por nenhuma fonte no terreno nem organismo mundial.
O especialista alertava também o mundo para se preparar para um surto de epidemias na Síria e no Iraque.
Hotz é presidente do Instituto de Vacinas Sabine e é enviado da Casa Branca como especialista científico para desenvolver a capacidade de produção de vacinas no Médio Oriente e no Norte de África, acrescenta o artigo do The Independent.
O principal problema seriam as condições sanitárias em Raqqa, a par do calor, que potenciariam a proliferação de moscas da areia, portadoras do parasita. Este causa lacerações na pele que, não sendo tratadas, se podem transformar em chagas semelhantes a lepra.
A recusa de cuidados médicos não aprovados pela sharia estaria a agravar a situação dos militantes islâmicos. E estes teriam mesmo expulsado os Médicos Sem Fronteiras que se dispunham a ajudá-los.
Uma autêntica praga bíblica.
Disparidade de números
A notícia do Express não referia fontes exceto um grupo internauta até agora desconhecido e a do Mirror citava apenas o Sun. Isso não impediu vários jornais de espalhar a informação, referindo uma das duas publicações como única fonte. Apesar da discrepância dos números referidos quanto aos militantes afetados.
Uma vez que o número total de militantes do grupo Estado Islâmico, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma das melhores fontes do que sucede na Síria, ronda os 50.000 combatentes, falar em 100.000 membros do EI afetados por Leishmaniose, sobretudo em Raqqa (onde, dizia por seu lado o Express, estarão 5.000 militantes), parece algo exagerado.
É certo que há fontes que estimam em 200.000 os membros do Estado Islâmico, na Síria e no Iraque. São números referidos em novembro de 2014 por Fuad Hussein, chefe de gabinete do Presidente curdo, Massoud Barzani, ao jornal The Independent.
Hussein incluía neste número pessoal de apoio, forças policiais, milícias locais, guardas fronteiriços, pessoal paramilitar associado aos diversos grupos de seguranças e recrutas. Espalhados por várias áreas dominadas pelo Estado Islâmico, tanto na Síria como no Iraque. E o surto de Leishmaniose é referido explicitamente na Síria e em Raqqa.
Se em relação aos números dos militantes afetados pela Leishmaniose existe tanta disparidade, que verdade haverá então na notícia?
O "Mal de Aleppo"
De facto, a primeira vez que o perigo de um surto de Leishmaniose na Síria devido à guerra é referido como tal, data de janeiro de 2015. No dia 18 desse mês, o The Independent afirma que Washington alerta para o perigo do conflito e da quebra da rede de cuidados de saúde estatais terem deixado "áreas da Síria e do Iraque ocupados pelo ISIS (a sigla inglesa para o grupo Estado Islâmico) vulneráveis a surtos de doenças infeciosas".
O jornal cita como sua fonte o dr. Peter Hotz, um especialista em saúde mundial. Hotz refere que a Leishmaniose cutânea, uma "doença que desfigura, espalhada por moscas da areia" mas que "não é mortal", está já "fora de controlo na Síria" onde teriam sido identificados "pelo menos 100.000 casos".
"Estamos a ver mais de 100.000 casos da forma cutânea de Leishmaniose, que é conhecida na região como o 'Mal de Aleppo'. Isto está a suceder devido à proliferação de moscas da areia. O país sempre teve problemas com a doença e agora está fora de controlo. Não sabemos sequer a extensão real, porque a Organização Mundial de Saúde não pode ir em segurança para aquela área".
Em 2013 foi noticiado amplamente um surto de Leishmaniose em Aleppo. Também recentemente no Iraque surgiram surtos da doença, mas as autoridades afirmaram-se capazes de lidar com o problema, enviando medicamentos mesmo para zonas de conflito.
"Partes da Síria estão vulneráveis porque a recolha de lixo parou, o que permitiu às moscas da areia que transmitem a Leishmaniose proliferarem", referiu o dr. Hotz ao The Independent.
Alerta de eclosão
"As redes de saúde pública pararam. Há quebras no fornecimento de água e na rede sanitária, quebras no acesso a cuidados médicos e no acesso a medicamentos. Tudo isto acontece ao mesmo tempo e é uma tempestade perfeita de acontecimentos."O perigo referido não se restringe à Leishmaniose. Um surto de MERS, o Síndrome Respiratório do Médio Oriente, causado por vírus semelhante à SARS, assim como um surto de Ébola, são admitidos na região.
"Sabemos que, se existe uma parte do mundo com esta mistura tóxica de pobreza e de conflito, vamos assistir a epidemias de doenças tropicais negligenciadas", diz o especialista, prevendo, em janeiro, que a próxima grande eclosão iria surgir nas áreas ocupadas pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque. O que não foi até agora confirmado por nenhuma fonte no terreno nem organismo mundial.
O especialista alertava também o mundo para se preparar para um surto de epidemias na Síria e no Iraque.
Hotz é presidente do Instituto de Vacinas Sabine e é enviado da Casa Branca como especialista científico para desenvolver a capacidade de produção de vacinas no Médio Oriente e no Norte de África, acrescenta o artigo do The Independent.
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