Matéria
08/02/2011 13h17
Fonte: Folha de S.Paulo
Mesmo vivendo perto do Parque das Copaíbas, na QL 28 do Lago Sul e tendo um vizinho que cria galinhas, o caseiro Fernando Mateus Ribeiro, 30 anos, não esperava que a leishmaniose visceral pudesse bater no quintal da casa onde mora e trabalha. Ao perceber que os cachorros perdiam peso, Fernando procurou o veterinário e o diagnóstico não poderia ser pior: dos 20 cães, nove estavam com suspeita da doença e outros três já foram sacrificados por causa dela. “A gente pensava que os casos eram isolados no Lago Norte”, conta.
Relatos como o de Fernando mostram que a leishmaniose tem chegado a outros locais do DF — além do Lago Norte, de Sobradinho, da Fercal e do Varjão — e tem contaminado não só cães: dos seis casos confirmados em humanos no ano passado, quatro foram registrados em Taguatinga, no Riacho Fundo e no Gama, e os outros dois em Sobradinho. “A doença está ganhando território, avançando para lugares que não tinham incidência. É preciso ligar uma luz amarela de alerta e tomar cuidado”, afirma o médico do Núcleo de Controle de Endemias da Vigilância Sanitária do DF, Dalcy Albuquerque Filho.
Dos seis humanos infectados em 2010, três contraíram a doença no Distrito Federal. O elevado número de reservas e parques, a grande quantidade de material orgânico acondicionado de forma incorreta e o hábito de criar galinhas em quintais ajudam a fazer da capital território propício para proliferação do mosquito flebotomínio (conhecido como mosquito-palha), o vetor do protozoário que causa a doença.
Fernando está preocupado com a infestação nos cães e teme que uma das sete pessoas da casa seja contaminada. O Centro de Controle de Zoonoses de Brasília já esteve no local e confirmou o foco do inseto. Para proteger a família, o caseiro colocou coleira repelente nos outros animais e vacinou os saudáveis. “Estou fazendo minha parte, mas a Zoonoses nem foi à vizinhança alertar dos riscos. Resolvi fazer a minha campanha particular na redondeza”.
Apesar do crescimento de 445 para 506 cães infectados por leishmaniose visceral no DF e aumento de 13 para 18% no número de diagnósticos positivos em cachorros entre 2009 e 2010, a Vigilância Sanitária descarta a hipótese de surto, mas já estuda uma campanha publicitária para alertar a população. “O mosquito aparece principalmente entre o período de fim das chuvas e início da estiagem, que deve acontecer daqui a um mês. É preciso alertar a população”, comenta o gerente de controle de zoonoses, Rodrigo Menna.
Nenhuma suspeita da doença em humanos foi registrada em janeiro de 2011. Já para os cães, os dados do início do ano ainda não foram contabilizados pelo órgão porque muitos dos exames feitos gratuitamente pela Central de Zoonoses ainda não ficaram prontos.
Sacrifício
A recomendação do Ministério da Saúde para cães com diagnóstico positivo de leishmaniose é o sacrifício do animal para impedir que ele prolifere a doença. Porém, a Sociedade Protetora dos Animais do Distrito Federal (Proanima) é contra a eutanásia. Segundo a diretora-geral da Proanima, Simone Lima, a sorologia do GDF não é confiável e vários problemas já foram detectados, como troca de exames. Além disso, a diretora afirma que o foco da campanha contra a leishmaniose está equivocado. “O culpado não é o cão, é o mosquito, é ele que temos que eliminar”.
Em portaria, o Ministério da Saúde explicou que os tratamentos e vacinas caninas não são indicados pelo temor da criação de um protozoário mais resistente aos poucos medicamentos disponíveis para o tratamento da doença em humanos. Além disso, o gerente de controle de zoonoses, Rodrigo Menna, explica que a vacina pode atrapalhar o resultado do exame. O uso, porém, não é proibido. “Elas servem para proteger o cão, mas não para o controle da leishmaniose, porque não é 100% de eficácia”, explica Menna. A vacina custa de R$ 90 a R$ 120 e deve ser aplicada após o quinto mês de vida do animal.
Atrativo
A galinha não é animal hospedeiro do protozoário como o cão, mas locais com as aves se tornam atrativos ao mosquito-palha por causa dos restos de comida e sujeira comuns em galinheiros.
Infecção preocupa
A leishmaniose é uma doença não contagiosa causada pelo protozoário Leishmania, que invade e se reproduz dentro das células do sistema imunológico da pessoa infectada. A doença pode se manifestar de duas formas: tegumentar ou cutânea e visceral ou calazar. A primeira é caracterizada por lesões na pele e pode afetar nariz, boca e garganta. A transmissão se dá por meio do mosquito felobomíneo, que se alimenta de sangue. Por serem muito pequenos, os insetos são capazes de atravessar mosquiteiros e telas. São encontrados em locais úmidos, escuros e com muitas plantas. O mosquito é o vetor e animais como cães e ratos podem ser os hospedeiros dos protozoários. Os sintomas variam de acordo com o tipo da leishmaniose, que deve ser tratada com o uso de medicamentos. Se não for devidamente acompanhada, a doença pode levar à morte.
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